Se você for um pesquisador iniciante e me disser que nunca ouviu falar em publicações-salame (em inglês: salami slicing), eu acredito.
Embora seja uma prática condenada entre os acadêmicos, sendo mesmo considerada uma conduta antiética, os responsáveis pela formação dos pesquisadores raramente tratam do assunto.
Quer saber do que se trata? Vou dar uma dica: as Diretrizes Básicas para Integridade na Atividade Científica do CNPq (BRASIL, 2011) afirmam que:
se os resultados de um estudo único complexo podem ser apresentados como um todo coesivo, não é considerado ético que eles sejam fragmentados em manuscritos individuais.
Então, agora você já sabe: publicações salame são diversas publicações derivadas de um mesmo estudo, que foi "fatiado" para esse fim. São também chamadas de publicações segmentadas ou fragmentadas (ASSIS, HOLANDA; AMORIM, 2019; GIMENEZ; GIMENEZ; BORTULUCCE, 2015).
E porque essa seria uma prática condenável?
Bom, por vários motivos:
- essa seria uma forma de os pesquisadores turbinarem seus currículos, desequilibrando a balança do mérito em um meio altamente competitivo, em que estão em jogo prestígio e recursos e onde os processos de avaliação costumam ter como base a quantidade de publicações (veja também: Produtivismo acadêmico: um mal necessário?).
- ocupa a comunidade acadêmica com o trabalho de avaliação e revisão de artigos com resultados já publicados.
- satura o campo de conhecimento, com o excesso de trabalhos com resultados derivados dos mesmos dados.
Publicações-salame são um tipo de autoplágio e guarda semelhança com outras formas de publicações duplicadas (veja também: Revistas predatórias, submissões simultâneas, publicações duplicadas: valem a pena?)
Resumindo:
Na literatura científica, o leitor espera artigos originais. Recursos enormes são canalizados para o processo editorial e o tempo e compromisso dos revisores para os artigos submetidos a revistas científicas. Então, descobrir que o trabalho submetido foi publicado na íntegra ou em parte substancial dele, ou seja, autoplágio, é frustrante para editores, revisores e leitores de periódicos. Esta ‘reciclagem’ de trabalhos publicados anteriores impulsiona o currículo de um pesquisador, o que é importante para sua carreira acadêmica em termos de promoção e pedidos de bolsas de pesquisa. Há uma grande pressão na academia para publicar, o chamado "publique ou pereça” e isso, infelizmente, leva a publicações duplicadas. (SIEBERS, 2012, p. 3, tradução nossa)
Mas, se essa prática é tão perniciosa, por que ela resiste no meio acadêmico?
- porque muita gente desconhece o fato de que fazer diversas publicações do mesmo estudo é considerado má conduta.
- o sistema de avaliação com base na quantidade de publicações estimula os pesquisadores a buscarem uma via rápida para avançar na carreira.
- nem todos os pesquisadores concordam que essa seria uma conduta inadequada, pois consideram que divulgar o máximo possível os resultados de sua pesquisa é sua obrigação.
- é uma prática difícil de ser identificada.
Quer dizer, então, que uma pesquisa só pode dar origem a uma publicação?
Depende.
Existem aqueles que consideram as publicações fracionadas são danosas em quaisquer circustâncias, outros que, como dissemos, entendem que não há problema algum em publicar os resultados de seus estudos em diversos trabalhos. Entre esses dois polos há aqueles que avaliam que a adequação ou não da prática deve ser considerada tendo em conta o contexto.
Ou seja, certas situações justificariam o fatiamento do estudo, como por exemplo:- estudos muldisciplinares, apresentados em eventos de áreas diferentes.
- estudos de coortes de longos períodos.
- análises que corrijam ou apresentem resultados significativamente diferentes dos publicados anteriormente.
Em todos os casos, é imprescíndível informar aos editores e aos leitores a respeito da publicação anterior.
Referências:
ASSIS, Alan Jhones Barbosa de; HOLANDA, Cleonice Andrade; AMORIM, Rivadávio Fernandes Batista de. Nova face de um velho problema: o autoplágio no cenário da produção científica. Geriatr Gerontol Aging., v. 13, n. 2, p. :95-102, 2019. Disponível em: https://cdn.publisher.gn1.link/ggaging.com/pdf/v13n2a07.pdf. Acesso em 11 out. 2020.
BRASIL. Ministério da Ciência, Tecnologias e Inovações. Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Diretrizes. Brasília, [2011]. Disponível em: http://cnpq.br/diretrizes. Acesso em: 11 out. 2020.
GIMENEZ, Ana Maria; GIMENEZ, Claudemir; BORTULUCCE, Vanessa Beatriz. O direito do autor e o autoplágio: entre o lícito, ilícito e o antiético. Jus. Blog. Publicado em abr. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/38311/o-direito-do-autor-e-o-autoplagio-entre-o-licito-ilicito-e-o-antietico. Acesso em 11 out. 2020.
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Muito boa a matéria. Concordo plenamente. Vejo muitos doutores formados sem acrescentar em nada substancial ou inédito ao mundo acadêmico. Diria até que são doutores oportunistas.
ResponderExcluirObrigada pela sua contribuição M. K. Olliver. Sem dúvidas precisamos encontrar outras formas de avaliação do trabalho acadêmico que não seja a mera contagem de publicações.
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