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As armadilhas da erudição vazia em textos científicos e acadêmicos

Como atividade eminentemente humana, a linguagem sintetiza e direciona nossas práticas, sejam elas solidárias e inclusivas ou de demonstração de força e poder.  

Autores científicos nem sempre conseguem fugir das armadilhas do uso da linguagem como instrumento de poder. Para demostrar seu afastamento do mundo da vida, colocando-se em um nível superior às pessoas comuns, fazem uso, muitas vezes, de uma linguagem pretensamente neutra e pedantemente hermética.

                                                                Imagem: storyset by freepik

Em meu trabalho, tenho me deparado com algumas táticas utilizadas por certos autores científicos para demonstrar erudição. Meu propósito com este texto é expô-las e, assim, desencorajar seu uso, pois a boa escrita acadêmica preza pela clareza, precisão e economia.

Em um texto acadêmico ou científico, evite:

i) Apresentar informações biográficas e/ou dados históricos irrelevantes, que, em geral, são inseridos no texto apenas para enfatizar o largo conhecimento do autor a respeito das pessoas e/ou fenômenos mencionados, sem que venham a contribuir de fato para o que está sendo discutido.

ii) Usar palavras e expressões em latim. Algumas expressões são de uso comum, então, vá lá, talvez seja difícil dispensar um “a priori”, “a posteriori”, “ad hoc” etc. Mas, “alea jacta est”; “cogito, ergo sum”; “errare humanum est” e outras coisas do gênero, por que, meu Deus, por quê?!?!

iii) Fazer citações em língua estrangeira. As citações devem ser vertidas para o idioma do texto, pois este é o conhecimento exigido do leitor. Se o autor é bilingue, trilíngue ou poliglota, deve usar seu vasto conhecimento para fazer as traduções e, caso considere importante, apresentar o texto original em nota de rodapé ou de fim. Obviamente esta recomendação deve ser desconsiderada, em caso de normas específicas indicando uma prática diferente.

iv) Hipercorreção ou ultracorreção:  este não é o caso de apenas mais um cacoete estilístico, mas atenta contra a gramática padrão. No entanto, sua origem, em geral, é a mesma dos casos apontados anteriormente: a necessidade que alguns autores sentem em escrever de forma pretensamente sofisticada, o que pode levá-los a erros.  O exemplo clássico é o uso do verbo haver com o sentido de existir, que pode vir a ser erroneamente escrito com a concordância hipercorrigida: “houveram experimentos”, quando o correto seria “houve experimentos”.

Carlos Bagno (2020) aponta outros casos de hipercorreção na substituição do verbo “ter” por “possuir”; no uso do verbo “encontrar-se” no lugar de “estar”; na utilização da palavra “onde” como organizadora do discurso; na atribuição de função pronominal à expressão “o mesmo” e suas flexões; e na já citada conjugação incorreta de verbos com sentido existencial, como: haver, ter e existir (a referência está no fim deste texto, recomendo a leitura).

Eu tenho me incomodado muito com o uso excessivo e desnecessário do verbo corroborar. Creio que isso pode ser classificado como um caso de hipercorreção.

Em geral pouco usado em nosso cotidiano, esse verbo virou uma verdadeira praga em textos científicos e acadêmicos. A necessidade de usá-lo é tanta, que muita gente chega a inventar significados para ele.

De acordo com o dicionário Priberam, corroborar é sinônimo de comprovar, confirmar. Tem também os significados pouco utilizados de  fortalecer, fortificar.

Em textos científicos, em geral, o verbo é usado com significado de confirmar e costuma indicar uma ordem temporal: os resultados da pesquisa que ora se apresenta corroboram os resultados das pesquisas anteriores (observe a concordância verbal - os resultados corroboram – e a regência: nesse sentido, o verbo é transitivo direto: "corroboram os resultados" e não "com os resultados").  

No entanto, tenho visto o verbo corroborar utilizado com o sentido de colaborar, enfatizar, ajustar etc. Isso deixa o texto confuso, já que o leitor não conhece os significados que foram atribuídos pelo autor.

Lembre-se, o propósito da comunicação científica é.....  a comunicação. Para isso, é necessário fazer nossas ideias compreensíveis para outras pessoas e, assim, estabelecer diálogos sobre nossos trabalhos. Um texto rebuscado não é, necessariamente, sinal de erudição, às vezes, mostra apenas que o autor tem, na verdade, pouco domínio da língua ou mera vontade de se parecer.

 

Referência

BAGNO, Marcos. Falsas elegâncias: como evitar a hipercorreção na escrita formal São Paulo: Parábola, 2020 [recurso digital].

 

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