Pular para o conteúdo principal

Revisores de artigos científicos. Quem são? O que fazem? Como pagam suas contas?

 Revisão por pares

Artigos publicados em periódicos especializados são, atualmente, o meio mais valorizado de comunicação científica. Isso porque os periódicos apresentam mecanismos de validação do conhecimento produzido, contando com o trabalho de pessoas altamente capacitadas em suas editorias e conselhos científicos.

Antes de serem publicados, os manuscritos passam por rigoroso processo de avaliação que, embora possa variar de periódico para periódico, envolve algum tipo de revisão por pares, com a finalidade de selecionar e aprimorar os artigos. Esse processo é considerado fundamental para o desenvolvimento científico, colaborando para que o conhecimento publicizado pelos periódicos esteja balizado por altos padrões de excelência e de integridade.

Rotineiramente, os editores de periódicos recorrem a pesquisadores experientes para realizarem essa atividade. Nesse contexto, esses pesquisadores são chamados de revisores, avaliadores ou pareceristas, termos que utilizarei como sinônimos neste texto.

O trabalho dos revisores


Embora crucial para o desenvolvimento da ciência na atualidade, o trabalho dos revisores é pouco valorizado.

Um pesquisador costuma avaliar diversos manuscritos por ano (sem contar outros tipos de avaliações). Dificilmente será possível gastar menos de meio dia nesta atividade. Contudo, o tempo despendido varia de acordo com diversos fatores.

Artigos em ciências sociais, por exemplo, costumam ser mais extensos que os de ciências naturais e, portanto, podem demandar mais tempo para sua avaliação.

Outro fator que implica no tempo de realização do trabalho é o cuidado e a dedicação do revisor, pois, um trabalho de avaliação bem-feito implica em diversas leituras do texto, atenção aos detalhes e consultas à bibliografia pertinente, além, é claro, da redação do parecer.  

A remuneração dos revisores

Pouquíssimos periódicos conferem alguma remuneração pelo serviço dos pareceristas. Há editoras que oferecem alguns de seus produtos como forma de agradecimento pelo trabalho de revisão.  Algumas instituições permitem que os pesquisadores a elas ligados considerem algumas horas por semana em seu plano de trabalho relativas à atividade de revisão. Porém, esse é um trabalho realizado majoritariamente de forma voluntária.

Ou seja, o trabalho de revisão, em geral, não é uma fonte de renda para o pesquisador.

Desafios contemporâneos ao trabalho dos revisores

A cultura produtivista, que atualmente impera nos ambientes acadêmicos, tem provocado um aumento considerável nas submissões, levando a um incremento significativo da demanda por pareceristas.

Dessa maneira, os pesquisadores que atuam como revisores estão sendo convidados seguidamente para avaliarem manuscritos submetidos a diferentes periódicos. Além disso, convém lembrar que eles também são pesquisadores e precisam, eles próprios, desenvolver suas pesquisas e publicar frequentemente, além de desenvolverem inúmeras outras atividades, como: aulas, palestras, participações em eventos, atividades de gestão, orientação etc. etc. etc.

Há também o desafio de tornar esse trabalho visível e reconhecido pelas instituições empregadoras e pelas agências de fomento e de regulação. Esse reconhecimento passa, necessariamente, por algum tipo de remuneração por esse trabalho. 

Além disso, é necessário pensar em termos de formação do revisor, ou seja, formas de desenvolvimento das habilidades necessárias para se avaliar um manuscrito e redigir um parecer.

Outro aspecto de indubitável importância e urgência é a preocupação com as questões éticas que envolvem o trabalho do revisor, como: confidencialidade, conflitos de interesses, vieses preconceituosos, uso de informações privilegiadas etc., que precisam ser debatidas, buscando-se práticas que tornem o trabalho do revisor cada vez mais íntegro, confiável e construtivo

Por que alguém desejaria ser um revisor?

Sendo um trabalho voluntário e pouco valorizado no ambiente acadêmico, por que um pesquisador se interessaria em realizar trabalhos de revisão?

Bem, existem muitas razões, por exemplo:

       Reconhecimento profissional. O fato de alguém ser convidado para dar um parecer sobre um manuscrito significa que essa pessoa tem o respeito da comunidade acadêmica e é reconhecido pelos editores como alguém competente em seu campo. Há, portanto, um reconhecimento simbólico do trabalho do pesquisador e de suas contribuições.

       Pelo desejo de colaborar com o desenvolvimento da ciência, com a sociedade em geral, com determinadas instituições ou com colegas que necessitam de ajuda para desenvolver esse trabalho.

       Para garantir que os processos de avaliação ocorram e assim ter seus próprios trabalhos avaliados. 

       Para somar pontos em processos seletivos e de progressão na carreira. Embora nem sempre conte na avaliação do trabalho dos pesquisadores e, quando é considerado, frequentemente é muito pouco valorizado, o trabalho de revisão pode adicionar alguns pontos em certos processos seletivos e de progressão.

       Para seu aperfeiçoamento. Ao revisar os trabalhos de outros, os pesquisadores se mantêm atualizados em relação aos avanços em sua área de atuação e têm a oportunidade de aprimoram suas habilidades de análise crítica e de redação científica.

       Para construir relações com os periódicos e editores.

Como se tornar um revisor de periódicos

São raros os programas de formação de pesquisadores que consideram o desenvolvimento das habilidades requeridas para o trabalho de revisor. Eventualmente o pesquisador pode, por seu próprio interesse, participar de algum curso ou seminário sobre o tema. Porém, o mais comum é que essas habilidades sejam desenvolvidas na prática, principalmente por meio da imitação

A formação do revisor costuma seguir a carreira acadêmica. Assim, o estudante pode participar como pareceristas de trabalhos submetidos a eventos locais, como a semana do curso, por exemplo. Mais tarde, pode se voluntariar para avaliar trabalhos de eventos mais importantes. Na pós-graduação já é possível se cadastrar como parecerista em periódicos menores e, conforme sua carreira avança, pode vir a ser revisor de periódicos mais renomados. Em geral, sua própria experiência como autor, ao ter seus trabalhos avaliados, serve como parâmetro para sua atuação como parecerista.

Cada periódico tem seus processos de recrutamento e critérios próprios para selecionar revisores.

Alguns lançam editais ou fazem chamadas em épocas específicas, outros fazem convites diretos aos pesquisadores e há aqueles que mantém seu sistema aberto para cadastro de voluntários.

As exigências também são diversas. Certos periódicos só aceitam como revisores pesquisadores experientes, com publicações de alto impacto. Outros exigem que os revisores sejam doutores na área de abrangência do periódico, independentemente de suas publicações. Há ainda os que aceitam pós-graduandos.

 

Referências

PUBLONS. Global state of peer review. Filadelfia: Clarivate Analytics, 2018. Disponível em: https://publons.com/static/Publons-Global-State-Of-Peer-Review-2018.pdf. Acesso em: 12 maio 2024.

RIGO, Ariádne Scalfoni; VENTURA, Andréa Cardoso. Editorial: Por que e como nos tornamos avaliadores de artigos científicos? Revista Organizações & Sociedade,  v. 26, n. 89, p. 194-199, abr./jun. 2019. Disponível em: https://www.scielo.br/j/osoc/a/ZzC5YqNm87zZJ3g9PKDRddP/?format=pdf&lang=pt. Acesso em 12 maio 2024.

SAMPAIO, Maria Imaculada Cardoso; SABADINI, Aparecida Angélica Zoqui Paulovic; KOLLER, Silvia Helena (org.). Produção científica: um guia prático. São Paulo: Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, 2022. Disponível em: https://www.livrosabertos.abcd.usp.br/portaldelivrosUSP/catalog/book/925. Acesso em: 12 maio 2024.

 

Para saber mais, clique em: A elaboração de pareceres de trabalhos  científicos e acadêmicos: aspectos éticos, teóricos e práticos

Imagens: geradas no Bing (https://www.bing.com/images/feed) em 14 maio 2024.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

5 exercícios para fortalecer sua escrita acadêmica

É comum que professores e orientadores ouçam de alunos e pesquisadores inciantes queixas sobre a dificuldade em escrever textos científicos e trabalhos acadêmicos em geral. Uma dessas dificuldades costuma ser a falta de experiência na articulação suas próprias idéias (e palavras) com as das obras que dão sustentação ao trabalho.  Eu já havia abordado esse assunto em post anterior ( Algumas sugestões para você que está fazendo seu TCC ). Então, aqui vão algumas sugestões de exercícios que você pode fazer para superar essa dificuldade e fortalecer sua escrita. Um alerta: você sempre deve dar crédito para os autores que usar como referência (leia posts sobre plágio aqui e aqui ).  1- Nível dente de leite Inicie seu treino fazendo paráfrases bem simples.  O dicionário vai ser seu melhor amigo no desenvolvimento deste exercício. Você pode começar substituindo alguns termos por sinônimos, mudar a forma como orações estão organizadas ou ainda reduzir ou ampliar uma oração (cuidad

Publicações-salame: o que são e porque devem ser evitadas.

Se você for um pesquisador iniciante e me disser que nunca ouviu falar em publicações-salame ( em inglês:  salami slicing ) , eu acredito. Embora seja uma prática condenada entre os acadêmicos, sendo mesmo considerada uma conduta antiética , os responsáveis pela formação dos pesquisadores raramente tratam do assunto. Quer saber do que se trata? Vou dar uma dica: as Diretrizes B ásicas para Integridade na Atividade Científica  do CNPq (BRASIL, 2011) afirmam que: se os resultados de um estudo único complexo podem ser apresentados como um todo coesivo, não é considerado ético que eles sejam fragmentados em manuscritos individuais. Então, agora você já sabe: publicações salame são diversas publicações derivadas de um mesmo estudo, que foi "fatiado" para esse fim. São também chamadas de publicações segmentadas ou fragmentadas (ASSIS, HOLANDA; AMORIM, 2019; GIMENEZ; GIMENEZ; BORTULUCCE, 2015).  E porque essa seria uma prática condenável? Bom, por vários motivos: essa seria uma for

Plágio involuntário: não caia nessa! Cuidado com as citações e referências de seus textos acadêmicos

O plágio acadêmico pode ser configurado de diversas formas: existe o plágio voluntário, aquele em que a pessoa usa material já publicado e não indica a fonte. e existe o plágio involuntário, aquele em que a pessoa, sem querer, não faz corretamente a citação e referência das obras utilizadas.  Neste post vou tratar do segundo tipo. O plágio involuntário, pode ocorrer por distração. Por exemplo, ao editar o texto, o autor não se dá conta de que excluiu a parte em que fazia a citação da obra utilizada.  Todos nós estamos sujeitos a erros desse tipo. Mas, sabe, na verdade não importa muito se você deixou de citar por distração ou de propósito, é considerado plágio do mesmo jeito.  Também pode ocorrer plágio involuntário devido ao desconhecimento das regras de citação e referência. Por exemplo, tem gente que não sabe que é necessário referenciar trechos de trabalhos de sua própria autoria.  Sim, é isso mesmo, parece absurdo, mas existe uma coisa chamada