Pular para o conteúdo principal

4 dicas para produzir um bom artigo científico

Em post anterior, eu apresentei alguns problemas frequentes em artigos científicos, responsáveis, muitas vezes pela recusa por parte dos periódicos. Naquela ocasião, tratei mais dos erros formais, agora vou focar na questão da redação. Dessa vez também vou me basear tanto em minha experiência quanto em publicações sobre o assunto, as quais estão referenciadas ao final do texto.  
A primeira coisa a saber é que existem diversos estilos de escrita científica. Isso depende da área e dos propósitos do texto. Então, aqui, eu vou tratar da escrita de artigos no campo das ciências sociais, embora acredite que este post possa ser interesse geral.
Escrever é uma obrigação acadêmica, não tem como fugir. Uma fase importante da produção do conhecimento é a sua difusão, que pode ser entre os pares, isto é, para outros cientistas (comunicação científica), ou para a sociedade em geral (divulgação científica).
Atualmente, os pesquisadores usam diversos suportes para fazer a divulgação e até mesmo a comunicação científica. No entanto, a forma escrita ainda é predominante.
Apesar disso, as universidades dão pouca importância à preparação dos estudantes para a redação científica. Até mesmo na pós-graduação, são raros os cursos que apresentam uma disciplina ou uma atividade sistemática sobre o assunto (claro, sempre tem uma palestra sobre ABNT, mas, vamos combinar, isso é muito insuficiente).
Na sequência apresento quatro características de um bom artigo científico e algumas dicas para você chegar lá:

1 – Um bom artigo destaca-se pelo conteúdo.

O artigo deve trazer alguma contribuição para o campo de pesquisa: uma nova abordagem; uma metodologia inovadora; resultados que tragam luz ou complemente algum tópico; resultados que contradigam conhecimento anterior ou refutem hipóteses; estado da arte; novos aportes teóricos etc.
Mas, que fique claro, não estou afirmando que o artigo deve conter todos esses itens. Uma contribuição, mesmo que pequena, porém, interessante, está ok. Não espere ter aquela ideia genial, que vai revolucionar a ciência, para publicar. Pense na produção do conhecimento científico como uma vaquinha, com a qual cada um contribui com o que pode.    
Porém, não se esqueça: para se produzir um bom artigo é necessário que a pesquisa que lhe deu origem tenha sido bem projetada e executada, incluindo aqui, os princípios éticos que devem permear todo o processo de produção do conhecimento.
Uma redação ruim pode impedir que uma boa pesquisa seja conhecida pela comunidade. Mas, uma boa redação não garantirá a publicação de um artigo oriundo de uma pesquisa com falhas na sua concepção/execução, incoerências em seus fundamentos e/ou inconsistências em seus resultados.  

2- Um bom artigo é direto e claro.

O texto não precisa e nem deve ser rebuscado. O jargão técnico deve ser usado com precisão e parcimônia. Não se esqueça que, embora você esteja escrevendo para outros pesquisadores, muitos deles podem não ser peritos no assunto, então, seja gentil em explicar os termos mais específicos do seu trabalho.
Alerta de spoiler: escrever um termo técnico de forma incorreta ou usar conceitos de maneira inadequada é meio caminho para a recusa do artigo. Afinal, que especialista é você que não conhece a terminologia do seu campo?   
Quanto à precisão, expressões como: “é notório que”, “sabe-se que” ou “como indicam as pesquisas” (sem especificar quais pesquisas) passam a impressão de que o pesquisador ficou com preguiça de buscar as informações necessárias para fundamentar seus argumentos e resolveu apelar para formulações genéricas.
Em artigos científicos, os adjetivos e advérbios devem ser usados com moderação. Por exemplo, é inútil dizer que algo é “extremamente relevante”, o que vale é deixar claro porque aquilo é relevante.
No mesmo sentido vão afirmações como: “Fulano tinha uma vida desregrada” que, além de conter um juízo de valor que não cabe ao pesquisador, não diz nada sobre a vida do Fulano. O que precisa ser informado são os aspectos da vida do Fulano que interessam para a análise dos dados.

3 – Ortografia, gramática e estilo importam.

Não interessa qual o seu campo de estudo, se você deseja ser um pesquisador, você terá que se comunicar por escrito (ao menos por enquanto, é assim que as coisas funcionam), então, preocupe-se com a redação de seu artigo. Erros de português trazem descrédito ao autor e dificultam a compreensão do texto. 
Um manuscrito que não prima pela linguagem científica e apresenta equívocos gramaticais e de estilo, certamente estará em grande desvantagem em relação a outro manuscrito que atenda a esses requisitos (OLIVEIRA; SILVEIRA, p. 180).

4- Concisão é tudo de bom.

Hoje em dia, tempo é um bem precioso, então, um artigo repleto de redundâncias tem grandes chances de ser deixado de lado. Além disso, os próprios periódicos costumam limitar o número de páginas/caracteres.
Então, acostume-se a fazer um exercício de desapego: a cada leitura vá excluindo palavras, frases e até parágrafos que não acrescentam nada ao seu texto.

Referências:

JOB, I.; MATTOS, A. M.; TRINDADE, A. Processo de revisão pelos pares: porque são rejeitados os manuscritos submetidos a um periódico científico? Movimento, v. 3, n. 3, p. 35-55. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/320029712_jogo_dos_erros_motivos_pelos_quais_um_artigo_e_aceito_ou_rejeitado_pelos_periodicos_cientificos. Acesso em 06 jul. 2019.
MARTÍN, E. Ler, escrever e publicar no mundo das ciências sociais. Revista Sociedade e Estado, v. 33, n. 3, p. 941-961, 2018. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/se/v33n3/0102-6992-se-33-03-00941.pdf. Acesso em 06 jul. 2019.
OLIVEIRA, A. G.; SILVEIRA, D. Jogo dos erros: motivos pelos quais um artigo é aceito ou rejeitado pelos periódicos científicos. Infarma: Ciências Farmacêuticas, v. 29, n. 3, p. 179-180, 2017. Disponível em https://www.researchgate.net/publication/320029712_jogo_dos_erros_motivos_pelos_quais_um_artigo_e_aceito_ou_rejeitado_pelos_periodicos_cientificos . Acesso em 01 jun. 2019.

Publicado originalmente em Linkedin em  julho de 2019
Crédito da imagem:
<​a href​="https://br.freepik.com/fotos-vetores-gratis/negocio"​>Negócio vetor criado por iconicbestiary - br.freepik.com<​/a>

#tcc #dissertação #artigo #ABNT #redaçãocientífica #trabalhosacadêmicos #escritacientífica #redação

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

5 exercícios para fortalecer sua escrita acadêmica

É comum que professores e orientadores ouçam de alunos e pesquisadores inciantes queixas sobre a dificuldade em escrever textos científicos e trabalhos acadêmicos em geral. Uma dessas dificuldades costuma ser a falta de experiência na articulação suas próprias idéias (e palavras) com as das obras que dão sustentação ao trabalho.  Eu já havia abordado esse assunto em post anterior ( Algumas sugestões para você que está fazendo seu TCC ). Então, aqui vão algumas sugestões de exercícios que você pode fazer para superar essa dificuldade e fortalecer sua escrita. Um alerta: você sempre deve dar crédito para os autores que usar como referência (leia posts sobre plágio aqui e aqui ).  1- Nível dente de leite Inicie seu treino fazendo paráfrases bem simples.  O dicionário vai ser seu melhor amigo no desenvolvimento deste exercício. Você pode começar substituindo alguns termos por sinônimos, mudar a forma como orações estão organizadas ou ainda reduzir ou ampliar uma oração (cuidad

Publicações-salame: o que são e porque devem ser evitadas.

Se você for um pesquisador iniciante e me disser que nunca ouviu falar em publicações-salame ( em inglês:  salami slicing ) , eu acredito. Embora seja uma prática condenada entre os acadêmicos, sendo mesmo considerada uma conduta antiética , os responsáveis pela formação dos pesquisadores raramente tratam do assunto. Quer saber do que se trata? Vou dar uma dica: as Diretrizes B ásicas para Integridade na Atividade Científica  do CNPq (BRASIL, 2011) afirmam que: se os resultados de um estudo único complexo podem ser apresentados como um todo coesivo, não é considerado ético que eles sejam fragmentados em manuscritos individuais. Então, agora você já sabe: publicações salame são diversas publicações derivadas de um mesmo estudo, que foi "fatiado" para esse fim. São também chamadas de publicações segmentadas ou fragmentadas (ASSIS, HOLANDA; AMORIM, 2019; GIMENEZ; GIMENEZ; BORTULUCCE, 2015).  E porque essa seria uma prática condenável? Bom, por vários motivos: essa seria uma for

Plágio involuntário: não caia nessa! Cuidado com as citações e referências de seus textos acadêmicos

O plágio acadêmico pode ser configurado de diversas formas: existe o plágio voluntário, aquele em que a pessoa usa material já publicado e não indica a fonte. e existe o plágio involuntário, aquele em que a pessoa, sem querer, não faz corretamente a citação e referência das obras utilizadas.  Neste post vou tratar do segundo tipo. O plágio involuntário, pode ocorrer por distração. Por exemplo, ao editar o texto, o autor não se dá conta de que excluiu a parte em que fazia a citação da obra utilizada.  Todos nós estamos sujeitos a erros desse tipo. Mas, sabe, na verdade não importa muito se você deixou de citar por distração ou de propósito, é considerado plágio do mesmo jeito.  Também pode ocorrer plágio involuntário devido ao desconhecimento das regras de citação e referência. Por exemplo, tem gente que não sabe que é necessário referenciar trechos de trabalhos de sua própria autoria.  Sim, é isso mesmo, parece absurdo, mas existe uma coisa chamada