A trajetória de um artigo desde sua submissão até sua publicação é o tema da minha contibuição para a Revista "A Escola Legal" (https://aescolalegal.com.br/o-meu-artigo-depois-da-submissao/), publicado em maio de 2021 e que transcrevo abaixo.
O que acontece com meu artigo depois que eu concluo a submissão?
Daisi Teresinha Chapani
Uma das formas mais comuns e valorizadas de se fazer comunicação científica é por meio da publicação de artigos científicos. É dessa maneira que geralmente pesquisadores dão a saber aos seus pares e ao público em geral os resultados de seus estudos e pesquisas.
Atualmente, há uma grande pressão para publicação de artigos. Isso faz
parte de um esforço necessário para a democratização do conhecimento, mas,
deve-se também aos sistemas de avaliação de profissionais e instituições que
valorizam as publicações e as citações delas decorrentes, além, é claro, de
certo status usufruído pelos autores desses artigos.
Porém, a publicação não é um processo simples, fácil ou rápido. Em
primeiro lugar, a atividade que deu origem ao artigo (estudo teórico, pesquisa
empírica, pesquisa de revisão etc.) precisa ter sido muito bem conduzida,
seguindo os métodos validados por aquele campo do conhecimento.
Em seguida, vem a redação do manuscrito, que deve ser clara e coesa,
seguindo as normas definas pelo periódico, e não pode conter erros conceituais
ou de linguagem. Tudo isso exige escrever, corrigir, acrescentar, suprimir, enfim,
reescrever o material diversas vezes.
Depois de todo esse trabalho, o manuscrito é submetido a um periódico. A
partir daí, os autores têm pouco controle sobre o que acontece, já que o
processo é regulado pela equipe editorial.
Apesar de um esforço das revistas em dar transparência ao processo de
avaliação, a verdade é que muitas pessoas interessadas em publicar não tem uma
ideia muito clara a respeito do que acontece com seu artigo a partir da submissão
até a publicação.
Da submissão à publicação: o percurso de um artigo científico
Bom, a primeira coisa que você deve saber é quem nem todos os periódicos seguem os mesmos processos. Vamos tratar aqui dos fluxos de avaliação mais comuns e, sem seguida, de algumas diferenciações.
As informações a respeito do processo de avaliação de cada periódico em
particular, geralmente estão disponíveis em sua página, em seções intituladas
“política editorial”, “processo de avaliação” ou algo relacionado. É
importantíssimo que os autores leiam atentamente informações que constam ali.
Primeira etapa: avaliação pelos editores
Em geral, assim que se completa a submissão, a equipe editorial faz uma avaliação da qualidade geral do trabalho e verifica se ele está de acordo com o escopo e com as normas do periódico. Se o tipo de avaliação adotado for o duplo-cego, a equipe também se certifica que o manuscrito não revela sua autoria. Boa parte das recusas acontecem nesse momento1, 2. Se o manuscrito passar por esse primeiro filtro, ele segue no processo de avaliação.
Segunda etapa: avaliação pelos pares (peer review)
Bons periódicos fazem avaliação por pares, ou seja, o artigo é avaliado
por pesquisadores experientes, que atuam naquele campo de conhecimento.
O tipo de avaliação mais comuns entre os periódicos brasileiros é o duplo-cego3
(peer review double-blind), o que significa que nem os
avaliadores conhecem a identidade dos autores do manuscrito submetido e nem os
autores sabem quem são os avaliadores.
Via de regra, o manuscrito é enviado para dois pesquisadores que o
avaliam de acordo com os critérios estabelecidos pelo Conselho Editorial do
periódico, sendo que, ao final, devem emitir um parecer que, embora varie de
revista para revista, em geral, contém uma das seguintes possibilidades: i)
aceitar; ii) aceitar, desde que sejam feitas modificações; iii) recusar.
Caso os pareceres sejam inconclusivos ou discrepantes, os editores podem
enviar o manuscrito para outros avaliadores, a fim de ter elementos que os
possibilitem tomar uma decisão fundamentada sobre destino do artigo. Durante
esse processo, é sempre possível os editores solicitarem informações
complementares aos autores.
Caso o artigo tenha sido aprovado mediante alterações, os autores serão
informados e terão estabelecido um prazo para fazer as adequações. Se porventura,
os autores não concordarem com uma ou mais modificações recomendadas, eles devem
justificar por escrito.
Ao receber o artigo revisado, os editores verificam se as alterações
foram feitas conforme solicitadas e/ou se as justificativas apresentadas pelos
autores são pertinentes. Eles também podem reenviar para os avaliadores para
que eles emitam novo parecer, em uma segunda rodada de avaliação.
Findo esse processo, os editores podem emitir a decisão final: publicar
ou rejeitar o artigo.
Terceira etapa: preparação para publicação.
Em caso de aceite, o artigo ainda passa por uma última etapa antes da
publicação. Neste momento são inseridos os nomes dos autores e suas filiações
institucionais, além de outros dados relevantes, como por exemplo: data de
submissão e de aceite do artigo.
Também é feito um esboço da diagramação que, por regra, é enviado para
os autores para aprovação.
O manuscrito deve ainda passar por uma última revisão de linguagem e das
normas, que pode ser realizada pela própria equipe editorial ou pelos autores.
Nesta etapa podem ainda ser solicitados alguns documentos, caso não
tenham sido exigidos na ocasião da submissão, como por exemplo: declaração de cessão
de direitos, protocolo do Comitê de Ética etc.
Enfim: artigo publicado.
Se você chegou ao fim desta tortuosa e exaustiva jornada com êxito,
parabéns. Caso seu artigo tenha sido rejeitado em qualquer uma das etapas
descritas acima, não se abata: faça dessa uma experiência de aprendizagem1.
Em qualquer caso, lembre-se que muita gente atuou (na imensa maioria das
vezes, de forma voluntária) para o aperfeiçoamento do seu artigo e para o
desenvolvimento da ciência. Valorize o trabalho dos editores e pareceristas.
Variações sobre o tema
- A avaliação do conhecimento científico é tão antiga quanto a própria ciência, no entanto, em cada momento histórico pode-se distinguir particularidades desse processo. A partir da modernidade, a avaliação por pares constitui-se como um mecanismo autorregulador por excelência4.
- Algumas revistas não fazem avaliação por pares, sendo a decisão sobre a publicação tomada apenas pelos editores.
- Além de duplo-cego (double-blind), as avaliações também podem ser do tipo simples-cego (single-blind), quando uma das partes é conhecida, ou ainda aberto (open), quando a identidade dos envolvidos é conhecida por todos. Cada uma delas possui vantagens e desvantagens e a adoção de um ou de outro tipo não tem relação com a relevância científica do periódico3.
- Embora a revisão por pares seja a forma hegemônica de validação do conhecimento científico3, 4, atualmente ela vem sofrendo intensas críticas, seja com relação à forma quanto aos seus próprios fundamentos4. O sistema de avaliação por pares (seja e que tipo for: às cegas ou aberto) é frequentemente acusado de ser conservador, hermético, moroso e de dispender grande esforço e tempo dos pesquisadores4.
Referências
1 MENDES-DA-SILVA, Wesley. Lições que podem
ser aprendidas da rejeição de um artigo. Editorial. Revista de Administração
Contemporânea - RAC, v. 24, n. 4, p. 369-375, 2020. Disponível em: doi.org/10.1590/1982-7849rac2020200069.
Acesso em 28 maio 2021.
2 OLIVEIRA, Anselmo Gomes.; SILVEIRA,
Dâmares. Jogo dos erros: motivos pelos quais um artigo é aceito ou rejeitado
pelos periódicos científicos. Infarma: Ciências Farmacêuticas, v. 29, n.
3, p. 179-180, 2017. Disponível em http://www.revistas.cff.org.br/?journal=infarma&page=article&op=view&path%5B%5D=2211.
Acesso em 28 maio 2021.
3 VILAS BOAS, Raphael Faria. A opinião
dos editores de revistas científicas a respeito dos diferentes modelos de
avaliação por pares. Cadernos BAD, n. 1, p. 361-373, 2018. Disponível
em: https://bad.pt/publicacoes/index.php/cadernos/article/view/1903/pdf. Acesso em 28 maio
2021.
4 DAVYT, Amílcar; VELHO, Léa: A
avaliação da ciência e a revisão por pares: passado e presente. Como será o
futuro?. História, Ciências, Saúde: Manguinhos, v. VII, n. 1, p.93-116,
mar.-jun. 2000. Disponível em: https://www.scielo.br/j/hcsm/a/QYbkKSZJ4hfBnq4xDsLhDpx/?lang=pt. Acesso em 28 maio
2021.
Bônus: 4 dicas para produzir um bom artigo científico.
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