Tendo em vista que os textos
científicos (em particular, os artigos) são meios de comunicação, devemos
entender que o processo comunicativo não se encerra na produção da mensagem
pelo emissor. Para que a comunicação seja efetiva, o receptor deve acessar o texto,
interpretá-lo e reagir à mensagem vinculada.
Quem, afinal, é o destinatário dos artigos científicos que escrevemos?
Um objetivo bastante razoável para a publicação de um artigo científico é contribuir para o desenvolvimento de determinado campo do conhecimento. Se assim for, o canal escolhido será um periódico considerado confiável pelos pesquisadores daquele campo.
Dessa forma, embora haja outros
elementos a serem considerados nesse processo, este post terá como foco
o receptor ou destinatário, afinal, é em para ele que escrevemos nossos
textos. Quanto mais definido for nosso destinatário,
mais fácil será organizar um texto que seja capaz de mobilizá-lo com nossa
mensagem.
Um artigo publicado em uma revista científica aberta está acessível a muitas pessoas, de maneira que seria bastante difícil escrever tendo em mente a imensa diversidade de possíveis leitores.
Porém, sejamos francos, não escrevemos para todos.
Escrevemos para um público específico, o qual está diretamente relacionado com os propósitos de nossa publicação e, em consequência, com o canal que selecionamos para divulgar o texto.
Com isso, já podemos delinear a silhueta acadêmica de nosso leitor-tipo.
Trata-se de uma pessoa:
- com alta escolaridade.
- que tem algum conhecimento a respeito do campo de conhecimento no qual se insere o artigo e que, portanto, compreende razoavelmente os principais conceitos, as teorias consolidadas e os critérios de cientificidade do campo.
- que tem interesse em pesquisas científicas, pois, possivelmente, trabalha com isso. Assim, é razoável supor que nosso leitor em potencial deve ser alguém com muitos afazeres.
Tendo em vista o esboço traçado sobre o leitor para o qual destinamos nossa mensagem, que implicações isso têm para a redação de nosso artigo?
Sendo alguém com alta escolaridade, dificilmente essa pessoa levará a sério um texto escrito com uma linguagem simplória, que utilize uma lógica falha, com análises toscas e coisas do gênero.Atenção: problemas na redação é um dos principais motivos que levam à rejeição de manuscritos submetidos a periódicos (CYRINO; SCHRAIBER; FORESTI, 2009; FALASTER; FERREIRA; CANELA, 2016; FALCÃO; CRUZ, 2021; JOB; MATTOS; TRINDADE,2009).
Nosso leitor-tipo conhece o campo de
pesquisa, assim, também não está interessado em questões já superadas, em resultados
de pesquisa amplamente conhecidos, em temas laterais que pouco acrescentam ao
desenvolvimento do conhecimento. Essa pessoa também não precisa que lhe
expliquem conceitos básicos e teorias fundamentais em seu campo.
No fundo, no fundo, quem nós realmente queremos que leia, se interesse e cite nosso artigo, é aquele pesquisador que frequenta círculos onde a mensagem que estamos divulgando possa gerar certo impacto.
Essa pessoa, em geral, é alguém muito ocupado, que não tem tempo a
perder com textos rocambolescos, cheio de informações pouco relevantes e de difícil
compreensão (veja o post As armadilhas da erudição vazia).
Assim, se você está escrevendo tendo em vista este tipo de público, privilegie um texto:
- conciso
- claro, direto, limpo, sem firulas
- com informações precisas
- que utilize de forma correta a terminologia própria do campo de conhecimento
- sem erros conceituais
Mas, atenção:
Aqui foram tratadas apenas questões de redação, porém, um bom artigo tem qualidades que vão muito além disso: ele deve apresentar contribuições relevantes para o campo, ser bem fundamentado teórica e metodologicamente, apresentar uma estrutura lógica robusta e coerência interna, entre outros elementos.Um pesquisador não escreve apenas para outros pesquisadores,
há diversos tipos de destinatários para os textos científicos e acadêmicos,
porém, o princípio geral continua válido: antes de começar escrever pense em
seu leitor-tipo e modele o texto de acordo com as características dele
Referências
CYRINO, Antonio Pithon; SCHRAIBER, Lilia Blima; FORESTI. Miriam. Editorial. Interface: Comunicação Saúde Educação, v. 13, n. 28, p.5, 2009. Disponível em: https://www.scielo.br/j/icse/a/58wt7fR4ZrNcmFGNZX9TbRy/?format=pdf&lang=pt. Acesso em 30 jan. 2023.FALASTER, Christian; FERREIRA Manuel Portugal; CANELA, Renata. Motivos de rejeição dos artigos nos periódicos de administração. Organ. Soc., v. 23, n. 77, 2016, p. 285-306. Disponível em: https://www.scielo.br/j/osoc/a/MGCTG3QtRmccJBVJFCqfv5S/?format=html. Acesso em: 20 jan. 2023.
FALCÃO, Roberto Pessoa de Queiroz; CRUZ, Eduardo Picanço. Processo de publicação e revisão em periódicos de alto impacto no Brasil. RASI, Volta Redonda/RJ, v. 7, n. 2, p. 102-120, mai./ago. 2021. Disponível em: http://200.159.241.15/index.php/rasi/article/view/483/144. Acesso em 30 jan. 2023.
JOB, Ivone; MATTOS, Ana Maria; TRINDADE, Alexandre. Processo de revisão pelos pares: por que são rejeitados os manuscritos submetidos a um periódico científico? Movimento, v. 15, n. 3, p. 35-55, 2009. Disponível em: https://www.redalyc.org/pdf/1153/115312644003.pdf. Acesso em 30 jan. 2023.
LIPPI, Giuseppe. How do I write a scientific article?—A personal perspective. Ann Transl Med. v. 5, n. 20, [n. p.], 2017. Disponível em: https://atm.amegroups.com/article/view/15850/17328. Acesso em: 30 jan. 2023.
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