Pular para o conteúdo principal

Uma criança desacompanhada a caminhar pela noite de uma grande cidade

Uma monografia sem referências é como uma criança desacompanhada a caminhar pela noite de uma grande cidade que ela não conhece: isolada, perdida, pode acontecer-lhe qualquer coisa. (LATOUR, 2000, p. 58).

Photo by David Rüsseler on Unsplash

É com essa analogia bem peculiar que Bruno Latour aponta para a importância das citações em um texto científico.  

De acordo com ele, para que as críticas a um determinado texto possam de fato minar suas bases e fazê-lo ruir, não basta que essas sejam dirigidas ao texto em si, mas devem também desacreditar todos os aliados que foram chamados (via citação) para defendê-lo. Ou seja, as citações são muito utilizadas pelos pesquisadores como forma de fortalecer suas afirmações e fazer valer suas ideias.

Por exemplo, digamos que você seja um pesquisador inciante, pouco conhecido na comunidade acadêmica, e escreve um artigo afirmando que a aprendizagem não é algo que ocorre ao indivíduo isoladamente. Esta afirmação terá mais peso e será levada a sério por mais pessoas se for apoiada por uma citação de Freire ou Vygotsky, por exemplo. 

Além de ajudar o autor na sustentação de seus argumentos, as citações também podem servir para esclarecer determinado ponto ou ainda ilustrar dado conceito. Porém, elas devem ter sempre um propósito no texto. Sair citando a torto e a direito pode enfraquecer o texto ao invés de fortalecê-lo. 

A prática de se fazer citações em textos acadêmicos e científicos está tão arraigada que existem linhas de pesquisas que buscam entender o desenvolvimento de determinado campo a partir do estudo das citações. 

As citações são expressões não apenas do caráter social da ciência, mas se relacionam também com as vinculações (institucionais, ideológicas, afetivas etc.) do autor. 
Romancini (2010) argumenta que, além das dimensões epistemológicas e sociais, 

as citações também são expressão de um relacionamento entre dois participantes do circuito científico – o par 'autor (texto) citado/autor (texto) citante'. Na medida em que a ciência tem como produto primário textos (que citam outros textos), tal relacionamento assume importância. Ademais, o caráter recursivo (um texto pode citar outro que se refira a outros textos etc.) das operações que envolvem as citações faz com que, ao largo do par mencionado, exista uma rede. (ROMANCINI, 2010, p. 20).

Disso decorre que hoje há todo um campo de pesquisa a estudar as citações acadêmicas, basicamente, quem cita quem e por quê.

Para você, jovem pesquisador, fica a dica: ao escrever um trabalho acadêmico, não deixe de fazer as devidas citações, pois:

  • este é um imperativo ético, uma vez que quem escreveu ou falou aquilo antes de você merece crédito.
  • citações articuladas com seu texto podem (se realizadas adequadamente) fortalecer seus argumentos.
  • as citações delimitam o espaço teórico das suas análises e interpretações.
  • elas também inserem seu texto (e, por consequinte, você próprio) em uma rede de relações sociais que sustentam dado campo do conhecimento.
Ah! e não se esqueça de usar corretamente as normas de citação: https://www.normasabnt.org/citacoes/

Se você se interessa pelo assunto, leia também:


Referências:
LATOUR, Bruno. Ciência em ação: como seguir cientistas e engenheiros sociedade afora.  São Paulo: Editora Unesp, 2000. 
ROMANCINI, Richard. O que é uma citação? A análise de citações na ciência. Intexto, Porto Alegre: UFRGS, v. 2, n. 23, p. 20-35, julho/dezembro 2010. Disponpivel em: https://www.seer.ufrgs.br/intexto/article/view/15885/10508. Acesso em 24 fev. 2021. 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

5 exercícios para fortalecer sua escrita acadêmica

É comum que professores e orientadores ouçam de alunos e pesquisadores inciantes queixas sobre a dificuldade em escrever textos científicos e trabalhos acadêmicos em geral. Uma dessas dificuldades costuma ser a falta de experiência na articulação suas próprias idéias (e palavras) com as das obras que dão sustentação ao trabalho.  Eu já havia abordado esse assunto em post anterior ( Algumas sugestões para você que está fazendo seu TCC ). Então, aqui vão algumas sugestões de exercícios que você pode fazer para superar essa dificuldade e fortalecer sua escrita. Um alerta: você sempre deve dar crédito para os autores que usar como referência (leia posts sobre plágio aqui e aqui ).  1- Nível dente de leite Inicie seu treino fazendo paráfrases bem simples.  O dicionário vai ser seu melhor amigo no desenvolvimento deste exercício. Você pode começar substituindo alguns termos por sinônimos, mudar a forma como orações estão organizadas ou ainda reduzir ou ampliar uma oração (cuidad

Publicações-salame: o que são e porque devem ser evitadas.

Se você for um pesquisador iniciante e me disser que nunca ouviu falar em publicações-salame ( em inglês:  salami slicing ) , eu acredito. Embora seja uma prática condenada entre os acadêmicos, sendo mesmo considerada uma conduta antiética , os responsáveis pela formação dos pesquisadores raramente tratam do assunto. Quer saber do que se trata? Vou dar uma dica: as Diretrizes B ásicas para Integridade na Atividade Científica  do CNPq (BRASIL, 2011) afirmam que: se os resultados de um estudo único complexo podem ser apresentados como um todo coesivo, não é considerado ético que eles sejam fragmentados em manuscritos individuais. Então, agora você já sabe: publicações salame são diversas publicações derivadas de um mesmo estudo, que foi "fatiado" para esse fim. São também chamadas de publicações segmentadas ou fragmentadas (ASSIS, HOLANDA; AMORIM, 2019; GIMENEZ; GIMENEZ; BORTULUCCE, 2015).  E porque essa seria uma prática condenável? Bom, por vários motivos: essa seria uma for

Plágio involuntário: não caia nessa! Cuidado com as citações e referências de seus textos acadêmicos

O plágio acadêmico pode ser configurado de diversas formas: existe o plágio voluntário, aquele em que a pessoa usa material já publicado e não indica a fonte. e existe o plágio involuntário, aquele em que a pessoa, sem querer, não faz corretamente a citação e referência das obras utilizadas.  Neste post vou tratar do segundo tipo. O plágio involuntário, pode ocorrer por distração. Por exemplo, ao editar o texto, o autor não se dá conta de que excluiu a parte em que fazia a citação da obra utilizada.  Todos nós estamos sujeitos a erros desse tipo. Mas, sabe, na verdade não importa muito se você deixou de citar por distração ou de propósito, é considerado plágio do mesmo jeito.  Também pode ocorrer plágio involuntário devido ao desconhecimento das regras de citação e referência. Por exemplo, tem gente que não sabe que é necessário referenciar trechos de trabalhos de sua própria autoria.  Sim, é isso mesmo, parece absurdo, mas existe uma coisa chamada